Memórias Poéticas - NO CENTRO DO INSOLÚVEL


E no princípio criou Daniel Graziani “A Borracheira”,  uma obra complexa, cheia de experimentações dramatúrgicas e provocações socioculturais, antes porém, Nilson Santos, o deus pesquisador havia se banhado do caos, da fantasia, dos rios de sonhos e tragédias, das energias boas e ruins contidas nas histórias dos seringais, histórias que ele ouviu fazendo entrevistas durante sua pesquisa para Doutorado “Sobreviventes da Fortuna”. Essa pesquisa serviu de base para o deus escritor Daniel desenvolver sua obra, contudo, no princípio de tudo, pessoas realmente viveram parte dessas histórias, seringueiros e seringalistas, anjos e demônios coexistindo nos seringais em busca do paraíso que nunca chegaria.
Agora observem, por meio desse texto, a cena que meus olhos contemplaram na rodaturgia. No salão do Tapiri (sede do Grupo O Imaginário) estão sentados em plataformas que circulam um cenário ainda em composição, alguns convidados, o pesquisador, o dramaturgo e o encenador da obra “A Borracheira”, Chicão Santos, que está dirigindo de acordo com sua interpretação do texto de Daniel sob a perspectiva de sua experienciação na pesquisa “MEMÓRIAS POÉTICAS: DO CRESCIMENTO DAS ÁRVORES”. A rodaturgia se inicia com o primeiro ensaio aberto do espetáculo que está em processo de desenvolvimento. Começa alto com um louvor à Nossa Senhora dos Seringueiros, os três deuses criadores não piscam. “O que se passa na cabeça deles?” me pergunto. Humanos despidos de seus gêneros para refletirem o silenciamento das mulheres dentro dos seringais veem sua obra ganhando vida e vozes.
No centro de tudo, 4 divindades humanas, Zaine Diniz, Flávia Diniz, Taiane Sales e Edmar Leite, dando forma ao seringal. Da plateia, por vezes, não se ouvia nem a respiração, em alguns momentos, algum alívio cômico no texto vinha retirar a tensão. Cabeças balançam concordando com as provocações, sobrancelhas franziam repudiando atitudes antigas, ou nem tão antigas assim.
A arte fluía pelos poros, pelas vozes, pelo suor das divindades que interpretam e narram histórias que se passam no Seringal Iniciação. A arte causava sensações viscerais nos expectadores, a arte dos movimentos e tons emitidos pelos corpos expostos ao julgamento de olhos críticos. Corpos sem maquiagem, sem efeitos de iluminação ou arranjos sonoros. A arte como sempre impactou.
Não vou dar detalhes sobre o espetáculo, mas adianto que todo mundo deveria ter a oportunidade de assisti-lo. Ele ainda não está pronto, mas se anuncia épico, contemporâneo e atemporal.
Ao terminar a encenação da primeira parte da obra e iniciarem os comentários sobre o que acabara de ser apresentado, os expectadores, não pouparam os deuses de elogios nem de indagações. Uma convidada mais que especial, Nilza Menezes, poetiza que também pesquisou os seringais para um de seus livros, apontou com encantamento a potência do espetáculo quanto às suas reflexões sobre o feminino, sobre o quanto as mulheres foram apagadas da memória dos seringais, mas que dentro da obra são reverenciadas. Seguindo a rodaturgia, Elisabete Christofoletti, observou as alegorias feitas pelo dramaturgo e pelo encenador em relação aos mitos proliferados nos seringais, quase esquecidos pela história, mas resgatados por Nilson Santos e reproduzidos em adaptações dramatúrgicas por Daniel, e materializadas por Chicão e os demais artistas que trabalham na obra.  
A pesquisa, o roteiro e a encenação se conversam, se elogiam, fazem indagações, observações, sugestões... se despedem e vão para casa.
Com certeza o que já está bom ficará ainda melhor.
Presenciar esse encontro me fez refletir sobre a relevância de uma obra ser livre para que seja transformada desde sua pesquisa até sua encenação, sem esbarrar nos egos daqueles que de algum modo passaram pelo processo. Cada transformação e adaptação que uma obra sofre pode elevá-la a uma potência quase inimaginável.
Agora nos resta esperar para assistir a obra completa e ver a qual potência o espetáculo foi elevado.


Por Édier William.






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